Da primeira vez foi totalmente por acaso. Correu pelo corredor fugindo da mãe que o perseguia com um cinto na mão, rapidamente entrou no quarto e fechou a porta atrás de si, indo se esconder dentro do guarda-roupa, logo sua mãe estava dentro do quarto e com a voz calma e ameaçadora que só as mães sabem falar disse:
- Saia de onde estiver eu vou te achar e você vai apanhar em dobro.
Dizendo isso ela passou a vasculhar o quarto, dentro do guarda-roupa Ahab tentava não se mexer e muito menos fazer barulho. Seu coração batia forte, pela primeira vez tinha saciado o desejo de matar algo maior que um rato, a vítima foi o cachorro bem tratado de sua tia rica, assim conheceu a morte e entregou-lhe em brasas o presente canino, agora dentro do guarda-roupa ele fugia da punição de seu crime.
Depois de verificar debaixo da cama e atrás das cortinas sua mãe caminha até o último lugar que falta olhar, o guarda-roupa, lá dentro Ahab sabia que levaria mais uma surra memorável, ele nunca desejou tanto está longe dali e quando viu a luz entrar pela pequena brecha que se abria fechou os olhos. Sua mãe abriu o guarda roupa e lá não havia nada.
Enquanto isso a empregada gritava no quintal, roupas de espalhavam pela grama e no meio das roupas Ahab com as mãos sobre os olhos, ao abrir os olhos novamente o garoto de olhos arregalados tinha a expressão mais assustadora que uma criança poderia produzir. Sem entender o que aconteceu ele ficou parado enquanto sua mãe chegava ao quintal e lhe aplicava a surra que lhe prometerá, dessa vez não sentiu dor, lágrimas também não houve, ele era especial, a única coisa que conseguia pensar era no que havia acontecido. Ahab tinha apenas dez anos e nunca conseguiu entender e muito mesmo esquecer o que lhe aconteceu, às vezes se pegava tentando repetir o feito, mas não sabia como.
Aos quinze anos entendeu como funcionava seu dom, sua mãe indo para o trabalho sofrerá um acidente de carro e a noticia deixou o jovem Ahab transtornado, a empregada da casa achou melhor ao levar o garoto ao hospital, nervoso e impaciente ele caminhou de um lado para o outro do seu quarto, sua mãe era tudo que lhe sobrava, queria vê-la de qualquer jeito, então em questão de segundos estava ele parado na frente da porta do quarto de sua mãe no hospital, a confusão de gente no corredor era tamanha que ninguém percebeu que o jovem apareceu do nada, mas chegara tarde sua mãe acabara de falecer. A dor lhe ensinou a usar seu dom era a vontade que o movia, seu desejo profundo de sair daqui e em um piscar de olhos está em qualquer lugar.
Os dias se passaram e cada vez ele ia mais longe até que teve a idéia de ir onde nunca foi antes e seu poder não funcionou, descobriu assim que só conseguia ir até onde seus olhos enxergavam, seus olhos enxergavam fotografias e assim conheceu o mundo, para viver passou a roubar lugares onde chaves comuns não abriam.
Com dezoito anos já não precisava mais roubar para viver, era independente e construirá pra si um esconderijo no coração da selva onde apenas um fotografo ousado e ele sabiam chegar, mas todos os dias ia a sua cidade natal, visitar os pouquíssimos amigos que ainda conservou. Em uma de suas visitas Ahab se viu flechado pelo inconseqüente cupido, Anabela enfeitiçara o suposto mágico, linda, alta, branca como a mais fofa das nuvens e dona de um sorriso que destruiria reinos inteiros.
Todos os dias Ahab ia visitá-la, até que decidiu abandonar seu esconderijo selvagem e voltar a morar na cidade. Ele amou e foi correspondido, a única dúvida certeza que tinha em sua vida virou dúvida. Deveria ele contar seu segredo à mulher amada? Algumas vezes quase o fez, mas para a segurança dos dois decidiu nunca contar. Todo herói tem um vilão pensava ele.
O mundo para Ahab se resumia apenas a seu anjo branco, continuou a ir a outros lugares apenas para conseguir coisas que fossem agradar sua amada. E quatro anos se passaram e o amor que recebia lhe era suficiente, mas para Anabela era a vez de ouvir os sussurros sedutores do mundo e o amor que era rocha começou a ser fragmentado pelas gotas da dúvida e a jovem apaixonada não estava mais sentindo o amor lhe tocar.
Amor, sentimento que precisa sempre ser nutrido e assim Ahab se sentia completo apenas com a presença de sua mulher amada, mas cada vez mais Anabela se esquecia do seu amado até que o amor foi alvejado pelo tiro certeiro da separação, conversas sem sentido, perguntas sem respostas e um fim certo, nada fazia sentido para Ahab e queria ele está no lugar solitário que podia imaginar e lá ele apareceu. O grito de acabou ecoou há 8.848 metros de altitude, no alto do monte Everest, no frio insuportável, sentado na neve, na escuridão total da noite ele chorou, como nunca antes havia chorado, as lágrimas congelavam ao cair no chão coberto de neve.
O sol já aparecia no horizonte e do topo do mundo ele viu o nascer de um novo dia, assim decidiu que voltaria para seu verdadeiro lar, seu esconderijo e assim deixou de ser visto, todas as noite Ahab ia ao quarto de sua amada e no escuro velava o sono de Anabela assim o fez sempre que pode, no entanto uma noite quando se teletransportou, viu algo que lhe feriu mortalmente, seu anjo, a mulher que mais amou estava entregue a outra pessoa, quase que instantaneamente voltou para seu esconderijo e naquela noite os animais puderam ouvir os lamentos do único ser humano que pisava no coração da floresta. Seu dia foi de tristeza e magoa, mas na noite seguinte decidiu se teletransportar novamente ao quarto de Anabela onde tocou-lhe a face e a levou consigo para seu esconderijo, deixando sua amada dormindo em sua cama, sentou-se em uma poltrona próxima e esperou que ela despertasse. No meio da madrugada Anabela despertou e assustada se viu em um lugar estranho e repleto de fotos, olhando em volta seus olhos pararam na figura que sentado se escondia na penumbra do quarto, reconhecendo Ahab ela corre em sua direção e quando chega a sua frente percebe que ele chora.
A voz era séria e grave, ele falava com calma e pausadamente para que ela entendesse cada palavra e assim revelou seu segredo, logo depois derramou-se em declarações de amor que de nada adiantaram, pois com as mãos cobrindo as orelhas e de olhos fechados Anabela repetia baixinho:
- Eu não te amo, eu não te amo, eu não te amo....
O amor findou, tomado por uma fúria irracional, odiando o seu maior amor Ahab segura Anabela e se teletransporta para a boca do vulcão Kilauea onde rapidamente beija os lábios de sua amada e se joga segurando Anabela pelo braço, o calor era infernal e a queda rápida, Ahab olha os olhos de medo de Anabela que chora, os dedos vão se soltando devagar do braço da amada e ao soltar-se Anabela grita:
- Era mentira...
Diogo Ramalho
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